sábado, 10 de setembro de 2011

Impostores que se fizeram passar por D. Sebastião



Impostores que se fizeram passar por D. Sebastião


E espalhou-se o rumor de que D. Sebastião não tinha morrido em Alcácer Quibir; rumor provavelmente foi lançado pelos Jesuítas que, vendo-se acusados pela opinião pública de terem concorrido para a perda del-rei, procuravam assim acalmar a indignação geral. Soltou-se pois o boato que D. Sebastião tinha escapado vivo da batalha e não tardaria a aparecer em Portugal. Não tardaram a aparecer impostores que se faziam passar por D. Sebastião, sendo que o aparecido em Veneza podia muito bem ser o rei de Portugal.

Em 1585 o filho de um pedreiro do lugar da Batalha, entrou na vila de Penamacor intitulando-se D. Sebastião e aos dois companheiros que trazia consigo chamava, a um chamava D. Cristóvão de Távora e ao outro bispo da Guarda. Dizia que, tendo fugido de África, por onde andara perdido, conseguira viajar para Espanha incógnito e daí voltar a Portugal para voltar ao trono que lhe pertencia. Não faltou quem o acreditasse e lhe oferecesse gente e dinheiro para a sua empresa. Mas tendo chegado notícia disto a Lisboa, mandou o Cardeal de Áustria, então vice-rei de Portugal, alguns fidalgos que dissimuladamente o fossem reconhecer; descobrindo-se a impostura, foram presos o rei e o bispo da Guarda, e conduzidos a Lisboa, onde oeste ultimo foi enforcado por lhe reconhecerem outros crimes, e o chamado D. Sebastião, depois de açoitado pelas ruas, e exposto por 15 dias à vista do povo atrás das grades da cadeia, foi condenado às galés, em que viveu ainda alguns anos com a alcunha de «rei de Penamacor».

No ano seguinte, um ermitão de um santuário que existiu perto da Ericeira, de nome Mateus Álvares, quis também fazer-se passar por D. Sebastião, e para isso começou a fazer uma vida de muita penitência: fechado na sua ermida, às horas em que os moradores voltavam dos seus trabalhos no campo, fingia disciplinar-se duramente, gritando com voz sentida: «Ai de ti! D. Sebastião, que muito leve penitência é esta para os teus grandes pecados». Desta maneira se foi espalhando a notícia de que o ermitão era el rei D. Sebastião. Um tal Pedro Afonso, rico proprietário daquela zona, homem ambicioso, declarou-se partidário do rei encoberto e pôs à sua disposição algum dinheiro para levantar a gente; ajustou também o casamento do rei com uma filha sua e fez-se general, conde de Torres Novas e governador de Lisboa. E ainda que tudo isto se passasse perto de Lisboa, tiveram bastante tempo para juntar um corpo de oitocentos homens que, depois de terem cometido toda a espécie de violências nas povoações vizinhas, marcharam sobre Lisboa. Mandaram os governadores contra eles alguma gente que foi derrotada e dispersa. Sucedia isto na véspera de S. João Baptista, e tanta era a agitação que havia na cidade, que o suposto rei teria facilmente entrado nela, se o tivesse tentado nesse dia; mas estava mais interessado em saquear as povoações das vizinhanças e, no dia seguinte, marcharam contra ele algumas companhias de tropas regulares, que os espanhóis tinham chamado à pressa das fortalezas, que derrotaram e puseram em fuga o bando, alem de capturarem o impostor e o seu improvisado conde, seu sogro, que foram enforcados.

Daí a dez anos apareceu, em Castela, um novo D. Sebastião. Chamava-se Gabriel d'Espinosa, pasteleiro de Madrigal, e tinha por conselheiro um frade agostinho de nome Miguel dos Santos. Tinham o destino marcado, enforcados.

Em 1598, quase 20 anos depois do desastre de Alcácer Quibir, apareceu em Veneza outro homem a intitular-se D. Sebastião, rei de Portugal. E deste nunca se soube ao certo se seria ou não um impostor. Contava ele tudo o que lhe tinha acontecido desde a fatal batalha, em que salvara a vida escondendo-se debaixo de um monte de cadáveres; depois andara errante disfarçado de mouro e fora com dois criados seus ao Algarve, participando daí ao cardeal rei a sua chegada; mas este tinha tentado matá-lo pra não lhe devolver o trono; vendo isto, e não querendo provocar uma guerra civil no reino, regressara a África onde, vestido de peregrino, viajara até à Etiópia e à Pérsia, chegando por fim à Sicília. Embarcou em Messina com destino a Roma, para se dar a conhecer ao Papa, mas foi roubado por cinco criados sicilianos que tinha a seu serviço, a ponto de apenas conseguir roupas por caridade. Esta desventura fe-lo mudar de planos, percorrendo a Itália atrás dos que o tinham roubado, chegando por fim a Veneza nu e quase morto de fome. Deu-se a conhecer nesta cidade a alguns portugueses que ali residiam, dos muitos que se tinham exilado por não aceitarem Filipe II de Espanha como rei de Portugal.

Como a notícia se espalhou pela cidade, e com medo do embaixador de Espanha, fugiu para Pádua, onde, acusado de ser um malfeitor, lhe deram 24 horas para sair da cidade. Voltou a Veneza onde o embaixador o denunciou como um impostor, natural da Calábria e réu de vários crimes; foi encarcerado e metido numa escura enxovia por ordem do senado; e aí o tiveram durante dois anos, maltratado e sem poder comunicar.

Entretanto a notícia tinha-se espalhado por uma parte da Europa; vários fidalgos portugueses que se encontravam na Holanda, França e Itália partiram para Veneza, munidos de cartas e recomendações de alguns príncipes e pessoas ilustres destinadas ao Senado, com o fim de lhes ser permitido ver o prisioneiro, para que pudesse ser reconhecido como o verdadeiro rei D. Sebastião, ou como um impostor.

Não pôde o governo de Veneza negar-se a tais solicitações; e sendo o preso conduzido à presença do Senado, aí não só se justificou dos crimes que lhe imputavam, mas revelou vários assuntos secretos que D. Sebastião, enquanto no trono, tinha mandado tratar através dos seus embaixadores com a republica, que os senadores, admirados e quase convencidos da sua verdade, não obstante as intrigas do embaixador de Espanha, o mandaram pôr em liberdade com a obrigação de sair imediatamente do território da republica.

Apesar da mudança que vinte anos de agruras, misérias e peregrinações tinham provocado nas suas feições, não duvidaram os fidalgos portugueses estar em presença do verdadeiro D. Sebastião e, disfarçado de frade, o conduziram por mar a Florença para daí o fazerem passar a França, em busca do auxílio de Henrique IV.  Mas o poder de Filipe II estendia-se então por toda a Itália, e o grão-duque de Florença, que já estava informado, mandou-o prender e entregar ao conde de Lemos, vice-rei de Nápoles, então pertencente à coroa espanhola. Levado à presença do conde, lhe disse o prisioneiro que ele devia conhecê-lo muito bem, porque por duas vezes tratara com ele como embaixador de Filipe, seu tio.

Este homem misterioso esteve preso durante anos em Nápoles, sendo bem tratado pelo conde de Lemos. Mas por morte deste, e com novo vice-rei, sofreu as mais duras penas, chegando a ser açoitado pelas ruas da cidade com um pregão que dizia ser um embusteiro que se intitulava D. Sebastião, rei de Portugal; ao que ele respondia: «Sim, eu o sou»! E quando o pregoeiro dizia que ele era um malfeitor calabrês ele respondia: «Não, isso é falso!».

Sofrida esta afronta, foi metido a bordo de uma embarcação e levado acorrentado, como forçado das galés, para Espanha, onde o mantiveram algum tempo preso no castelo de S. Lucar. O duque de Medina Sidónia quis vê-lo à chegada, e parece que o prisioneiro lhe falou de muitos assuntos que entre o duque e D. Sebastião tinham sido tratados, e de festas e presentes que o duque dera aquando da passagem de D. Sebastião por Cádis, na viagem para o Norte de África.

De S. Lucar o prisioneiro foi levado para o interior de Castela e, desde então, não se soube mais nada dele.

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